Viajantes comentam vantagens e desafios de cruzar o Brasil a bordo de veículos que são ‘casas que andam’

O sonho de criança da psicóloga Bárbara Gomes era viajar numa “casa que anda”, tal qual vira num desenho animado do Mickey. Aos 27 anos, ao lado do marido, Gregory Sender, ela tirou esse desejo do papel ao alugar, pela primeira vez, um motorhome para viajar de Curitiba ao litoral catarinense. A história de Bárbara representa bem uma tendência que começa a ser observada nas estradas brasileiras, a do aumento de pessoas interessadas pelo caravanismo, ou seja, viagens em trailers e motorhomes, principalmente depois do novo coronavírus.

Na contramão de outros setores do turismo, como a hotelaria e a aviação, esta modalidade se encaixa mais facilmente no “novo normal” dos
viajantes, possibilitando um
maior isolamento e roteiros
rodoviários. Na Vandão Motorhomes, uma das locadoras
mais antigas do mercado brasileiro, a procura aumentou
70% em relação ao ano passado, e toda a sua frota já está reservada para o fim do ano.

Paulo Zanim, sócio da Motorhomes Pura Vida, conta que a pandemia ajudou a renovar a clientela da locadora, que também funciona como uma plataforma para conectar viajantes e proprietários que queiram alugar seus veículos:

Em março e abril, tivemos uma chuva de cancelamentos. As reservas voltaram a acontecer a partir do final de maio. O curioso é que, desde então, quase 90% dos clientes são pessoas que nunca haviam viajado de motorhome.

Entre esses novatos, justamente, estavam Bárbara e Gregory, que alugaram uma van com capacidade para três adultos para uma viagem de cinco dias durante o feriado de Corpus Christi.

Queríamos evitar hotéis e pousadas e, ao mesmo tempo, curtir a natureza. Acabou sendo a melhor maneira para explorar com liberdade tanto as montanhas da Serra do Rio do Rastro quanto as praias
conta a paranaense, que admite ter sido picada pelo “bichinho do motorhome”. — Gostamos tanto que agora já estamos até pensando em ter um nosso. Quando a pandemia passar e as fronteiras estiverem abertas de novo, queremos fazer uma viagem pela América do Sul.

O roteiro é um clássico dos caravanistas. Quem conhece muito bem esses caminhos é a jornalista Nadja Sampaio, que, depois de muitos anos em redações, passou a se dedicar à vida na estrada. Com experiência de quem já rodou diversos países sul-americanos e europeus, ela ensina aos iniciantes:

Viajar de motorhome é estar fora da zona de conforto o tempo inteiro. É preciso bom humor para lidar com os imprevistos e muito planejamento. É como se você estivesse na sua casa, mas o quintal mudasse todo dia.

Nadja Sampaio

Nadja, que planeja uma expedição do Panamá ao Alasca entre os anos de 2021 e 2022, acredita que o Brasil tem potencial para esse tipo de turismo, mas precisa ampliar a oferta de campings e bases de apoio nas estradas e melhorar os já existentes. Sua dica é procurar destinos onde há parques nacionais, em que a cultura do acampamento está mais sedimentada. Para ela, o melhor cenário se encontra na Região Sul, em São Paulo e no litoral da Bahia.

Quem vai testar as estradas do Nordeste pela primeira vez, a partir de 1º de agosto, é o empresário Luís Antônio Brasil, que mora, desde o começo do
ano, em seu próprio motorhome, variando de endereço dentro de Santa Catarina. Pelos próximos meses, ele percorrerá todo o litoral até Aracaju, retornando pelo interior. A ideia é promover um encontro de caravanistas em Curitiba, previsto para novembro. Organizar eventos como este é uma forma que ele encontrou para valorizar o estilo de vida:

Cada vez mais as pessoas se interessam por esse tipo de viagem. Meu sonho é ver o Brasil com uma estrutura como a dos Estados Unidos e da Europa, onde se pode ir a qualquer lugar com a sua própria casa.

Luís Antônio Brasil

Publicação da revista O Globo, Agosto 2020

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